Um cometa chamado Daniela Rangel

António Duarte
6 min readMar 11, 2021

--

A música que me faz lembrar de ti: https://www.youtube.com/watch?v=mogviEfuBmI

Um abraço sincero, sem prévia, apenas espontâneo, terno e natural, é um abraço que nutre emoções puras, sem filtros. Cura a ânsia, as dores, os dilemas e por si só desabafa sem palavras, porque mais do que uma junção de corpos e braços entrelaçados, conecta corações daqueles que nós descrevemos nos contos de fadas. Foi o que me disseste uma vez à tua maneira, eu só arranjei uma forma pomposa para o descrever. Também me disseste que tinhas o melhor abraço do mundo e por isso odiavas que te pedissem um, pois assim já não seria o melhor abraço e sim só mais um abraço, cheio de efeitos e às vezes sem vontade e que poderia perder a sua validade. Num momento onde os pensamentos viajam no conflito entre o mundo físico e espiritual, a minha necessidade humana gostaria de te poder dar mais um abraço, Dani.

Esta foi só mais uma das diversas conversas profundas que tivemos sobre a vida e o que nos acompanha no dia a dia, pensamentos, reflexões e vazios emocionais. Só que esta em particular marcou-me porque foi um momento de desconstrução das nossas personagens: a queda das máscaras. Não são todos que têm as chaves para os meus segredos, nem amigos de longa data dos quais mantenho uma relação próxima. Não sou de acreditar em magias, mas tu felizmente tiveste acesso a algumas confidências importantes e isso foi fundamental, uma vez que me permitiu observar o mundo de uma outra perspetiva. E tu também foste desabafando os teus tormentos, dando exemplos criativos como tu és, dando ênfase a histórias banais das quais eu ficava à espera de um grande final e afinal era ‘’só’’ aquilo. Ainda gozo contigo por isso. Perdão, durante todo o meu crescimento fui levado a crer em narrativas com mistérios nas palavras, segundos significados e duplos sentidos. Tanto que me esqueci de apreciar os pequenos momentos da vida que tanto te caracterizam porque essa é a tua essência e nunca fazes questão de o esconder.

A três dias de te conhecer pairava a inquietação natural de um novo desafio que viria por aí. Era o início desta história, que na minha cabeça durou mais do que o tempo real no mundo físico. Falavam-me de uma estagiária cheia de potencial que havia assumido uma equipa, de uma pessoa simpaticíssima e altruísta que me iria ajudar na ambientação ao novo clube. E entre uma espera separada por um fim de semana de alguma curiosidade, chegou então o dia onde nos conhecemos, que parecia só mais um pela sensação de encaixe de ideias em meia dúzia de palavras trocadas. Parecia que já nos conhecíamos desde sempre e quando o primeiro impacto é bom, há tendência para falarmos mais do que o normal. Na verdade, aposto que esta é a sensação de todos os que tiveram oportunidade de privar contigo sentiram. Culpa do teu sorriso rasgado de uma orelha à outra, ou da risada forte, irónica e contagiante que trazes sempre contigo a cada dia.

Infelizmente, online, mas a fazer aquilo que mais gostamos: discutir.

Rapidamente se notou o teu nível de excelência que eu tanto gosto. E não podia receber melhor elogio quando me viste a arrumar os cones com a precisão que tu tanto gostavas. Porém, o teu nível de perfeição é diferente, é competitivo e sedento de clareza e rigor. Perfeição essa que foi despontando em mim. Uma necessidade inabalável de querer constantemente superar o que a ciência impede. Somos tão diferentes, mas não somos opostos e penso que seja por isso que a nossa relação sempre foi como dupla-maravilha — um complemento. Nunca fui tão feliz num mês de julho e na altura nem reparei. Mesmo com todas as restrições impostas nos treinos, tiramos leite da pedra e criamos diamantes para a nova temporada que viria.

Naquele mesmo dia em que nos conhecemos ficamos a conversar até tarde sobre modelos de jogo na formação, como lidar com jovens atletas, táticas, técnicas, dos jogadores que eu acabara de observar, do futebol em si, porque era isso que nos unia naquele momento. Tanto que trocamos números e de madrugada lá estava eu a sugerir exercícios com simulações mirabolantes aos quais tu respondias com as correções que querias. Isso fez com que o nosso companheirismo profissional e pessoal rapidamente crescesse.

Mulher, Daniela, intensa e de impulso não irracional, naturalmente líder carregada de intrepidez, ousadia e que se distingue, que marca, deixa legados, assume e não recua, que decide com ponderação e transporta a mesma ideia até que provem o contrário. Mulher, Daniela, que no seu tom grave fala e fala, mesmo que nem sempre consiga falar os L’s, que ri e sorri com facilidade em muitas situações, mesmo as mais difíceis, porque encara a vida com naturalidade, leveza e amor, que atenta aos problemas e antecipa-os, mas com qualidade de improviso. Mulher, Daniela, ativa, positiva, rigorosa, acima do nível de excelência, uma escala dentro de outra escala, persistente, chata porque nem todos poderão compreender a necessidade da pintura ser preenchida dentro dos contornos. Mulher, Daniela, nobre, altruísta, cheia de conteúdo, mas simples, clara nos seus discursos porque os domina e se sente a forte presença mesmo na ausência. Mulher, Daniela, imortal.

Isso é o que mais me revolta na retroespetiva dos últimos oito meses, uma vez que alguém como tu, que dá sentido literal à expressão de ‘’viver a vida’’ parece fisicamente imortal. Por isso nunca me irei referir a ti no pretérito, pois por mais cético que seja e, nesse sentido, isto talvez seja um delírio psicológico como forma de reencontrar conforto, sinto que estás neste preciso momento ao meu lado a rir-te às gargalhadas das piroseiras que para aqui vão. Não tive coragem de ir teu velório. Também como uma forma de, erroneamente, me tentar blindar das emoções. O Rui disse-me para não me isolar, mas fui fraco. Também porque não me queria despedir de ti, eu não acreditava. Acho que ainda não acredito em certos momentos. Dei por mim a ler e ouvir as nossas mensagens, a recordar episódios marcantes e a rir-me também com eles. Essa é mais uma das tuas imagens e é a que eu mais quero manter comigo sempre que me lembrar de ti (que pelos vistos serão muitas vezes e ainda bem). Estranhamente ou não, sinto uma motivação a mais para continuar. Descrevi isso como uma força que outrora não tinha e que agora tenho. Como se tivesses permitido que reencontrasse os incentivos que há muito tempo perdi. É a herança que me deixas, explorar ao máximo a minha criatividade e, nos momentos de bloqueio, criar atividade. Agora vou cuidar da Drew e ela de mim. Seremos para sempre os 3D (Didi, Drew e Duarte). Com o apoio de todos os que nos rodeiam vamos continuar e juntos cuidar dos nossos meninos — que tu tanto amas e eles a ti.

Eu vi as homenagens que te fizeram, não fazia ideia que tanta gente te conhecia e tu conhecias tanta gente, mas isso não me surpreende de todo. Por mais que fiques eternamente conhecida como Didi, para mim serás sempre a minha Dani, a melhor Mister com quem trabalhei. Uma vez li que certas pessoas são cometas. Elas chegam à Terra, brilham intensamente ao ponto de deixarem uma marca única e, rapidamente, partem por aí vagueando no espaço, mas sempre a brilhar… E duram porque além de permanecerem na memória dos que presenciaram e os legados que deixaram, os cometas podem viver milhões de anos. Ao mesmo tempo que sabia que estava perante alguém extremamente especial para o futuro do desporto português e não só, também não fazia ideia que estava a lidar com o meu primeiro cometa. O cometa Didi. Só lamento não poder ter tido oportunidade de contar a tua história mais cedo, só me resta falar do meu ponto de vista sobre o que tu és e partilhar alguns dos nossos segredos. Da minha parte, do teu fiel paladino, fica a promessa de que para onde for, farei questão de lhes contar quem é Daniela Matos Silva Rangel.

Onde tu mais gostas de estar e onde fizeste história.

--

--

António Duarte

UEFA Football Coach. Análise de futebol numa visão romântica do jogo. Twitter: @ShanklyLegacy