Coluna #27: The Liverpool Way XXI

António Duarte
6 min readDec 31, 2018

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Firmino, Henderson, Shaqiri e Salah.

Semana de boxing day nas terras britânicas e os dois últimos jogos que fechavam o terrível mês de Dezembro da Premier League (em termos de sequências pesadas de jogos) botavam o Liverpool frente a frente com o Newcastle de Rafa Benítez e o Arsenal de Unai Emery, ambos os jogos a serem disputados em Anfield.

Posicionamento médio dos titulares do Liverpool com base no grafismo do SofaScore (Foto: )

Cedo se percebeu que o Newcastle não ofereceria grande resistência a um Liverpool que tinha as suas melhores armas disponíveis, mesmo que a entrada interessante dos visitantes culminasse em pequenas desatenções defensivas normais num jogo. A afirmação definitiva do 1–4–2–3–1 sem referências fixas, mobilidade constante e trocas posicionais, começaram a fazer estragos à baliza de Martin Dúbravka e oportunidades para marcar não faltaram — ainda que o 1x0 surgisse de uma sequência de bola parada.

O Newcastle nunca teve intenções de pressionar e oferecia o tempo aos reds para pensarem o jogo. O bloco médio-baixo dos magpies permitia a projeção dos laterais do Liverpool ao mesmo tempo para se envolverem no ataque. Liderados pelos movimentos de recuo de Roberto Firmino e a profundidade que Sadio Mané oferecia no half-space esquerdo, surgiam espaços para infiltrações.

Perda da posse de bola dos reds e rápida mudança de comportamento dos jogadores do Liverpool perto da bola para abafarem o contra-ataque ainda no meio-campo contrário.

À medida que o jogo foi avançando, o Newcastle ia perdendo cada vez mais altura defensiva e o Liverpool montava a tenda no campo rival, circulando a bola e matando as saídas em transição no seu tradicional gegenpressing. O resultado final não poderia ser outro além de uma goleada por 4x0, devido a todo o domínio tático e mental sob o adversário durante os 90 minutos.

Em organização ofensiva, num primeiro momento, o Liverpool força algum dos meio-campistas a cobrir a subida do lateral, enquanto o outro médio fica à frente dos defesas centrais. Acredito que uma gigante maioria das equipes no mundo inteiro que praticam uma saída a 3, têm como primeiro objetivo, criar superioridade na primeira fase de construção.

Projeção dos laterais no terreno de jogo dando amplitude e os dois meio-campistas do Liverpool perto dos defesas centrais equilibrando a equipe.

Já esta equipe de Klopp, priorizando sempre os ataques verticais, mantém o duplo-pivot (no 1–4–2–3–1) sustentando toda a equipe atrás, perto dos defesas centrais e permitindo que os laterais subam ao mesmo tempo, virando autênticos extremos de linha. Isto é, a ideia primordial da saída a 3 pelo chão é dar segurança à equipe atrás para que os restantes jogadores da frente tenham total liberdade criativa.

Momento da criação com o Liverpool posicionado numa coluna de pares no meio-campo e laterais em amplitude.

Embora os números de telefone não sejam um ponto fulcral no Liverpool, no momento da criação, a equipe organiza-se no 1–4–2–2–2 (ignorando um pouco a altura em que os dois laterais se vão alinhar). Na verdade, existe uma necessidade de formar duplas pelo corredor central nessa coluna, não importa qual seja o jogador. Se Mané recua para a posição de Firmino, o brasileiro ocupa a posição de Mané. Caso Mané queira mesmo pegar no jogo ainda mais atrás, é Wijnaldum quem se projeta à frente para ocupar a profundidade na posição de Mané. Isto acontece também no outro lado com os restantes jogadores, mas sem nunca deixarem de formar o 2–2–2.

Posicionamento médio dos jogadores do Liverpool com base no grafismo do SofaScore (Foto: )

A entrada forte dos merseysiders pressionando a construção por baixo do Arsenal forçaram o oponente à abdicar da saída curta e a adotar as bolas longas. Melhor o Liverpool nos primeiros minutos com e sem bola. Contudo, o pressing zonal dos gunners amassando nas laterais do campo forçaram a uma má ligação de Lovren, que apanhou a equipe totalmente desestruturada e Ainsley Maitland-Niles teve oportunidade de abrir o placar.

Pressing alto e encaixado do Liverpool.

A reação não podia ser melhor e Firmino, no espaço de 3 minutos, deu a volta ao resultado em momentos de magia protagonizados pelo próprio — além do infortúnio da defesa contrária. O sinal mais nisto tudo vai para a consciência dos jogadores em relação àquilo que são as ideias do treinador e a confiança que adquiriram ao longo do tempo dentro do modelo de jogo. O momento atual da equipe começa a chegar a um auge mental que permite ao coletivo estar confortável face às suas ideias e não se desestabilizar em cenários diferentes. Nada disto tem a ver exclusivamente com a reviravolta do resultado, mas sim tudo o que se passa à volta disso e o que faz isso acontecer.

Liverpool formando novamente a coluna em 2–2–2 com meio-campistas na base, extremos virando interiores e laterais atacando a profundidade máxima explorando os espaços por fora concedidos pelo Arsenal. Entretanto deu-se a troca posicional entre Firmino e Mané: o senegalês fez o movimento de recuo para associar e Firmino foi ocupar a profundidade.

Não houve grande superioridade tática neste sentido para ir dilatando a vantagem. As vezes que os reds superaram a pressão do Arsenal não terminavam com os setores totalmente conectados e poucas foram as finalizações de parte a parte. O Liverpool começou a construir o seu domínio no jogo a partir do resultado contra um frágil Arsenal nos duelos físicos pelas primeiras e segundas bolas. Destacar a exibição de Wijnaldum, competente em todos os momentos do jogo e sendo o expoente máximo da segurança no setor médio.

Em contrapartida, se há algo que merece ser destacado taticamente e que é um dos momentos chave do Liverpool nesta temporada, é o bloco médio apresentado. Seja no 1–4–2–3–1, que varia naturalmente para o 1–4–4–1–1 em fase defensiva, ou no 1–4–3–3, que varia para o 1–4–5–1, é dos momentos em que os anfielders se sentem mais confortáveis sem bola.

Bloco médio-baixo compactado em 4–4–1–1 e movimentos coletivos coordenados. O meio-campista Wijnaldum sai no combate ao portador cobrindo a linha de passe interior e o extremo atento ao lateral adversário.

Sendo que o pressing alto e agressivo foi diminuindo e dosado ao longo de 2018/19, naturalmente que seria necessário um bloco mais organizado e posicional. Dificilmente o adversário criará jogo interior e/ou entrelinhas contra o Liverpool, isto por culpa da capacidade que a equipe tem em se agrupar por dentro. Obviamente que isso gera espaços por fora, onde o Arsenal até gosta de os utilizar, mas a vigilância que os extremos vermelhos tiveram controlando a subida dos laterais, impediram grandes criações.

Ganhando por 4x1 e tendo o encontro praticamente arrumado, o segundo tempo foi sobretudo pautado pelo parágrafo anterior. Os primeiros 15 minutos à procura de fechar o caixão com um último tento acabou mesmo por acontecer. Normalmente as equipes descansam o jogo com bola, mas Klopp preferiu assentar a equipe a meio terreno e fechar o jogo dando a iniciativa ao Arsenal. Na minha ótica, aposto que preferiu testar as dinâmicas e mecanismos defensivos para os próximos jogos que se avizinham.

Fechado o ano de 2018, é um Liverpool que entre Agosto e Dezembro teve uma clara evolução e melhor adaptação no seu modelo de jogo. Inevitavelmente não poderei deixar de mencionar a qualidade individual dos contratados, mas também de muitos outros que encontraram o seu caminho através desta filosofia.

Se no primeiro semestre se venciam os jogos no puro ritmo alto, destaque agora para o desenvolvimento a nível posicional, seja em ataque ou defesa organizada. Também se mo permitem, um maior pragmatismo de Klopp para vencer os jogos da liga e os resultados são claros quanto a isso. O mês mais complicado da temporada terminou com um registo 100% vitorioso. Está encontrado um novo Liverpool Way, uma versão moderna da coisa com o treinador alemão como destaque.

Para quem gosta deste dia em especial, um feliz ano novo e que o calendário 2019 continue com o Liverpool a prosperar.

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António Duarte

UEFA Football Coach. Análise de futebol numa visão romântica do jogo. Twitter: @ShanklyLegacy