Coluna #25: O Renascer do Liver Bird

António Duarte
8 min readDec 17, 2018

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Clyne, Shaqiri, Wijnaldum e Firmino.

Semana decisiva no caminho do Liverpool nas competições europeias. Os soldados de Jürgen Klopp defrontavam o Napoli de Carlo Ancelotti na European Cup e jogavam também contra o eterno rival do noroeste inglês, o Manchester United de José Mourinho, para a Premier League. Perspetivavam-se várias alterações no elenco para rodar na segunda sequência de jogos pesados do mês terrível de Dezembro.

Posicionamento médio dos titulares do Liverpool com base no grafismo do SofaScore (Foto: )

Para os jogos decisivos e em palcos onde se pode repetir o feito de 2017/18, o Liverpool entrou com o meio-campo dos combativos, composto por Milner, Henderson e Wijnaldum posicionados no 1–4–3–3. Entrada intensa de parte a parte e com bastantes duelos deu clara vantagem ao Liverpool. No jogo de transições, os homens de Klopp levam vantagem no domínio do descontrolo.

Puros combates físicos que tiveram Jordan Henderson em grande plano no ganho de segundas bolas e distribuição das mesmas com melhor índice de qualidade. O capitão fez a melhor e mais consistente exibição da temporada (que vinha sendo mediana face o pouco ritmo competitivo). Mas se Henderson se impunha nas transições defensivas, Virgil van Dijk fez a melhor exibição com a camisa do Liverpool desde que chegou ao clube — e até uma das melhores que um defesa central fez com o liver bird ao peito em muitos anos. O típico defesa holandês, de muitas antecipações e interceptações, esteve sempre um passo à frente de Dries Mertens.

Pressing alto e encaixado do Liverpool. Perseguições médias de Milner-Allan, Wijnaldum-Hamšík e vigilância de Robertson-Callejón e Arnold-Mário Rui.

Klopp não cometeu os mesmos erros que havia cometido em Itália no jogo da 1ª volta. Além da passividade defensiva no San Paolo, o Napoli conseguiu sempre criar vantagens numéricas por fora e, a certo ponto, pelo corredor central. Para evitar isto, em fase de pressão alta com os italianos saindo desde a sua área, o treinador germânico ordenou os encaixes com os laterais vindo pegar quem dava amplitude (Robertson em Callejón e Arnold em Mário Rui), assim como pediu a Milner-Wijnaldum que encurtassem o espaço a Allan-Hamšík com médias perseguições.

O pressing alto do Napoli foi facilmente superado em vários momentos ao longo do jogo, sendo que os napolitanos o faziam em inferioridade numérica e com muita maciez. Isto claro, sem ignorar o contributo na saída limpa que Joël Matip oferece ao jogo dos reds. É um jogador que, embora não tenha um grande cartório de movimentos quando é pressionado, consegue interpretar vazios no campo sabendo quando deve conduzir e ganhar metros à frente. O camisa 32, que infelizmente acabou por se lesionar, fez três exibições consistentes e um grande segundo tempo contra o terrível jogador, Insigne, controlando o seu espaço.

O losango do Liverpool com o recuo de Firmino para servir Mané-Salah no espaço intermédio do campo e Milner alargando um dos vértices da figura para finalizar em cima do lateral no decorrer da jogada.

Estando o jogo com um cenário propício ao counterpressing, o movimento do trio atacante voltou a ser decisivo para desbloquear o resultado. Firmino desloca-se para o círculo central, Salah entre Mário Rui e Koulibaly e Mané infiltrando em diagonal, com o suporte dos 3 meio-campistas, formam o momentâneo 1-4–3–1–2. Só que, a vontade (e necessidade) de ganhar era tanta, que a vertigem permitia ataques de 7 jogadores à baliza de Ospina. Milner (no 1º tempo) e Wijnaldum (mais no 2º) alargavam aquela espécie de losango do meio-campo, atacando os half-spaces, o trio da frente aglutinando por dentro e os laterais atacavam por fora ao mesmo tempo. A confiança que Klopp deposita nos três jogadores que sobravam (Henderson, Matip e van Dijk) exigiam uma grande mentalidade e concentração, da qual responderam sempre bem, como já referido anteriormente, aguentando essas situações de 3vs3.

Interiores do Liverpool atacando os half-spaces (zona amarelada) de forma exterior e os atacantes agrupados no centro (Mané-Salah fazem o movimento interior partindo dos half-spaces).

Era sim um Liverpool com cara do trajeto que fez em 2017/18, mas misturou alguns conceitos da temporada atual. Os períodos de pressão média na 1ª parte trouxeram alguma estabilidade à equipe e a circulação lenta do Napoli só beneficiavam os de Merseyside. Um tipo de pressing mais posicional abordado por Klopp este ano, menos focado em encaixes com perseguições longas, de forma a estruturar melhor a equipe na defesa à área. O meio-campo agrupa-se no centro para evitar jogo interior e sempre que a bola entra nos corredores laterais, o interior do lado da bola dá o combate mais intenso, o extremo aproxima-se para uma possível sobra (à espera de puxar o contra-ataque) e o lateral faz a cobertura defensiva.

Bloco médio e compacto do Liverpool, montada a teia armadilhada em 3+3 (atacantes e médios) impedindo o jogo interior e Mané e Salah cobrindo linhas de passe rasteiras aos jogadores em amplitude do Napoli.

Um jogo perfeito em todos os sentidos para o Liverpool, com tamanho caudal ofensiva que bastava a precisão nas definições de Mané-Salah e o resultado justificaria um placar gordo. O Napoli só foi ter a sua grande chance iminente de golo já no período final do jogo, através de um ato de desespero de bola na área, mas o gigante Alisson impediu o empate com uma enorme mancha e acerto no posicionamento.

Destaque também para mais uma grande noite na atmosfera de Anfield. O Spion Kop esteve excelente como sempre, mas vivendo aquele clima mágico das noites europeias como nunca. Nesta competição, a mentalidade elite faz diferença e parecia que a bola queimava nos pés dos jogadores italianos — acredito que com uma boa percentagem de culpa pelo ambiente intimidatório do estádio. Segue o Liverpool para as eliminatórias da European Cup, ao som de Allez Allez Allez, onde vai defrontar o Bayern de Munique

Há algum tempo que o Liverpool não vencia o Northwest Derby na Premier League e esta era uma boa oportunidade para os merseysiders finalmente derrotarem o eterno rival, Man Utd, muito pela fase distinta que as duas equipes atravessam. Sabendo que José Mourinho iria focar no anulamento das potencialidades dos reds e explorar as saídas rápidas, Klopp mandou para o jogo o meio-campo dos criativos (até pela indisponibilidade de Milner), com a inclusão dos reforços Naby Keïta e Fabinho, no sistema tático do 1–4–2–3–1.

Posicionamento médio dos titulares do Liverpool com base no grafismo do SofaScore (Foto: ).

O Man Utd procurou sempre se defender com vantagens numéricas contra os atacantes do Liverpool, mas a mobilidade e trocas posicionais dos primeiros 45 minutos dos da casa confundiram bastante as marcações, abrindo espaços pelos corredores e principalmente nas entrelinhas (defesa e meio campo). As movimentações de Firmino, atrás e entre Matić-Herrera foram um problema constante para os homens de Mourinho, porque depois Mané e Keïta flutuavam para dentro para fazerem pequenas combinações ao primeiro toque.

Liverpool em 1–4–2–3–1 com as linhas próximas para ganhar as segundas bolas.

Os red devils tinham claro algumas referências individuais, mas a falta de agressividade e a cedência de espaços eram pontos explorados facilmente pelo Liverpool. Além disso, os anfielders ganharam a maioria os combates físicos e segundas bolas liderados por Fabinho e o domínio de van Dijk em cima de Romelu Lukaku nos duelos aéreos. A tradicional pressão pós-perda muito forte em torno do portador da bola impedindo as transições rivais e, de seguida, rápidos ataques à meta de David de Gea sob a batuta de Firmino, novamente como um 9,5 (mistura de 10 e 9, apesar de Salah ter sido o atacante fixo contra o United).

Este foi o jogo que consagrou Fabinho a todos os níveis, demonstrando estar cada vez mais dentro do modelo de jogo do Liverpool no que toca intensidade e noção de movimentos. Em Inglaterra ainda não conseguiu ser um tradicional volante que limpe e desarme bombas em todo o campo como se esperava, mas em vez disso está mais inteligente na leitura do jogo e na execução para se antecipar e chegar à frente com mais eficiência. Na verdade, é isto que se pede ao meio-campo móvel de Klopp. Foi mesmo a partir de Fabinho que a equipe entrou em vantagem, sendo que nas suas subidas tinha muito tempo e espaço para decidir o último passe (que é de muito boa qualidade) e até finalizações à entrada da área, tal era o caos do Man Utd.

Tempo e espaço para Fabinho executar o passe de ruptura de encontro ao movimento diagonal de Mané.

As trocas de Mourinho para a 2ª parte travaram o jogo, com muitos elementos dentro da área afundando os atacantes do Liverpool e com uma melhor sustentabilidade no meio-campo, não permitindo tantas incursões interiores. Revelou-se alguma incapacidade do Liverpool para contrariar a defesa handball do Man Utd, como vem sendo algo crónico contra equipes que se defendem com um bloco tão baixo. Porém, felizmente, existe um jogador como Shaqiri no banco de reservas, que é um ‘’superdotado em espaços reduzidos’’, como diria o meu amigo pessoal, Higor. O suíço acabou mesmo por decidir o jogo com dois tentos marcados.

Falar ainda de mais uma excelente exibição de Robertson em todas as fases de jogo. Curiosamente foi elogiado pelo treinador adversário no final do encontro, mas é capaz de ser o lateral mais consistente a nível elite em toda a Europa. É um jogador de alta rotação que não consegue parar quieto e é incisivo naquilo que faz. Dominou o jovem Diogo Dalot ofensiva e defensivamente, superando-o em vigor físico, velocidade e até drible.

Condução de Robertson superando a pressão média do Man Utd, espaço entrelinhas para Firmino fornecer apoios, tabela com o lateral escocês, atração de Darmian e geração de espaço nas suas costas para Robertson atacar com bola.

O empate do Man Utd foi um acidente de percurso de Alisson Becker, pois não houve nenhum período onde estiveram superiores no jogo. Esporadicamente conseguiram contra-ataques, que nem sempre foram finalizados e isso demonstra a incapacidade dos de Manchester. Não foi necessário o melhor Liverpool para vencer um United totalmente fragilizado a nível psicológico e isso irá sempre afetar também o desempenho tático.

Felicidade em Klopp por ver uma batalha positiva pelas posições de meio-campo (o grande coração do gegenpressing). Conta com um meio-campo de combativos e outro de criativos, podendo ainda misturá-los. Na mesma semana teve um Henderson magistral e um Fabinho irrepreensível em jogos grandes e distintos.

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António Duarte

UEFA Football Coach. Análise de futebol numa visão romântica do jogo. Twitter: @ShanklyLegacy