Coluna 23#: Do Klopp ’n’ Roll para o Smooth Jazz

António Duarte
8 min readDec 3, 2018

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Antes de mais, a explicação do porquê do Liverpool ter abrandado o ritmo do seu jogo está disponível numa coluna que escrevi para o Footure FC, site no qual agora estarei disponível para me poderem acompanhar por lá. Fica aqui o link sobre o motivo de Jürgen Klopp ter nuances no seu modelo de jogo: http://www.footurefc.com.br/blog/ao-som-do-klopp-n-roll/.

Joe Gomez, Georginio Wijnaldum, Virgil van Dijk e Fabinho.

Mais uma semana escaldante para os homens de Jürgen Klopp, que antes do Merseyside Derby defrontaram um Paris Saint-Germain, que por sua vez precisava de uma vitória se se quisesse manter na European Cup. Uma semana de jogos que dava início a mais uma sequência pesada, naquele que muitos dizem ser o mês decisivo para as equipes inglesas nas diversas competições, o terrível Dezembro de Premier League.

Posicionamento médio dos titulares do Liverpool com base no grafismo do SofaScore (Foto: )

Já se adivinhava que um embate entre Tuchel e Klopp traria conceitos táticos bastante precisos para dentro de campo e isso acabou por se verificar. Para superar a primeira linha de pressão dos reds, à semelhança de outros treinadores, Tuchel montou uma saída em 3–1 com Marquinhos recuando para o meio de Thiago Silva e Kimpembe, abriu os laterais e trouxe para dentro Neymar e Di María como terríveis homens livres. A fraca e pouco intensa pressão (propositada) do trio da frente permitia que os franceses circulassem a bola tranquilamente até acharem uma brecha atrás dos primeiros homens de combate.

A marcação encaixada do Liverpool não estava assente e as movimentações de Neymar, Verratti e Di María foram um caos perante uma equipe que acabava por cair nessa armadilha e espaçar as suas linhas. Até ao 1x0 os parisienses tiveram a iniciativa do jogo e conseguiram adentrar no bloco defensivo do Liverpool através de boas e rápidas associações por dentro.

Passividade de Salah no portador da bola, erro de concentração de Wijnaldum e movimentação de Neymar como 3º homem para associar com Verratti.

Estando com o resultado a seu favor, o Paris SG acabou por oferecer a iniciativa ao Liverpool — que agora tinha obrigação de ir atrás do resultado — e, naturalmente, isso acabava por fazer com que os de Klopp subissem o bloco na sua organização ofensiva. Nisso o adversário tirava vantagem, pois tendo Neymar e Mbappé com metros para correr em campo rival é sempre um cenário positivo, ainda mais quando havia uma defesa composta por elementos de menor capacidade para correr atrás dos mesmos. Perante as dificuldades dos merseysiders em fazer circular a bola e construir no meio-campo contrário, tal como já foi abordado em colunas anteriores, o PSG acaba por dilatar a vantagem.

Associações do PSG quebrando as duas primeiras linhas de pressão do Liverpool e deixando os seus jogadores contra os últimos homens reds.

A segunda parte fora decrescente naquilo que era a intensidade do Liverpool na pressão e no momento do pós-perda. Se os primeiros 15 minutos foram mais agressivos e com ganhos consecutivos das primeiras e segundas bolas, o ritmo foi caindo e o PSG se sentindo cada vez mais confortável com as grandes exibições dos jogadores da última linha, naquilo que é defender a área.

Klopp ordenou que Gomez se mantivesse mais perto da base da jogada para não permitir tanto espaço nas suas costas e controlasse os movimentos do oponente, do qual o jovem inglês correspondeu bem, dentro dos possíveis.

As suas substituições no decorrer do jogo não tiveram o impacto necessário. Isto é, sendo os seus meio-campistas de cariz mais combativo e menos criativo, até fazia sentido trazer Naby Keïta para o jogo. E nisto até fora positivo uma vez que a equipe conseguiu fluir mais o jogo desde a base através do guineense. O não render de Roberto Firmino deu lugar a Daniel Sturridge, mas taticamente a equipe não melhorou. Já no desespero, a entrada de Shaqiri acabou fixando o 1–4–4–2 em fase defensiva. Porém, a ‘’ganância’’ por chegar ao empate era tanta que a equipe se desequilibrava nas suas transições defensivas ficando em situações de 4–1. Obviamente que se deve arriscar quando o resultado é o menos importante, o grande problema fora que este 4–4–2 com Shaqiri flutuando para dentro e sem um lateral que oferecesse a profundidade pela direita, não teve resultado e a equipe começou a despejar bolas na área com pouco critério.

Foi o melhor jogo do Liverpool fora de portas na European Cup. O que é preocupante, pois não ganhou nenhum pela primeira vez na história em jogos fora. Uma equipe que perdeu o jogo pelos erros de concentração, bastante maciez na marcação na bola com atrasos no cumprimento dos encaixes e compensações, além, claro, da boa abordagem de Tuchel para superar o 3+3 dos reds e colocar em vantagem os seus atacantes contra a última linha do Liverpool.

Posicionamento médio dos titulares do Liverpool com base no grafismo do SofaScore (Foto: )

Era o 100º Merseyside Derby em Anfield, neste que é o embate mais emblemático da cidade de Liverpool e arredores. Os bons toffees de Marco Silva jogavam para tentar alcançar aquilo que não conseguem há muito tempo, ganhar ao eterno rival, Liverpool. O regresso do 1–4–2–3–1 com Xherdan Shaqiri perspetivava aquilo que seria o jogo: o Liverpool durante mais tempo em fase ofensiva contra um Everton que tentaria causar perigo através dos contra-ataques de Richarlison, Bernard e Walcott lançados pelas conduções e passes de André Gomes.

Mais uma vez, se os primeiros 20 minutos da primeira parte representavam um Liverpool forte, pressionante e intenso nas ações, os restantes seriam de menor ritmo. Não foram muitas as vezes que os homens de Klopp conseguiram imprimir o gegenpressing em 2018/19, mas aquele período fez recordar um pouco daquilo que foram os alucinantes jogos da temporada passada. Um cenário positivo com Wijnaldum-Fabinho roubando bolas dos volantes do Everton, Salah partindo entre Digne e Mina infiltrando com muita potência, Firmino-Shaqiri suportando a criação entrelinhas e Mané explodindo também contra a baliza contrária.

Quando o Liverpool pressionava alto no terreno, os encaixes individuais passavam a sensação do 1–4–3–3 com Firmino se destacando ao lado de Salah no momento em que iriam ‘’agredir’’ os defesas centrais e o arqueiro, Shaqiri virava um interior encaixado no lateral direito, Wijnaldum dividia as tarefas entre pressionar o lateral esquerdo e o volante descaído para a esquerda e Fabinho o volante descaído para a direita. Conforme iriam baixando as alturas de pressão, voltavam ao normal 1–4–2–3–1 com as variantes nas linhas.

Liverpool pressionando alto e encaixado com Mané x Keane , Salah x Mina , Firmino x André Gomes e Wijnaldum x Coleman.

Ao diminuir o tempo de aceleração no jogo, o Everton cresceu na partida e foi somando ataques rápidos com perigo conduzidos pelo ritmo de André Gomes. Contudo, correspondeu bem o Liverpool na sua organização defensiva mais recuada e, num dos ‘descuidos’, Alisson demonstrou o porquê de ser considerado, pelo menos, um dos três melhores da sua posição do mundo na atualidade.

Counterpressing do Liverpool com roubada de bola de Wijnaldum, condução de Robertson deixando os atacantes em igualdade numérica com os defesas do Everton no último terço.

Os restantes 45 minutos não foram similares àquilo que produziu no período inicial no primeiro tempo. A circulação lenta da bola e com os jogadores estáticos na sua disposição tática trouxe, mais uma vez, os fantasmas da falta de fluidez do seu ataque posicional. Há méritos na ocupação de espaços por parte do Everton, mas tornava-se mais fácil para as peças de Marco Silva tendo os jogadores como referência. O jogo mais longo não tinham efeito e as primeiras e segundas bolas eram ganhas pelos toffees.

A certa altura era notório que o Liverpool estava perdendo o meio-campo e o Everton conseguindo dar mais continuidade aos seus contra-ataques (algo que até então tinha sido bem vigiado por Gomez e van Dijk). Como Shaqiri não é um interior de raiz, chegava mais vezes atrasado para compensar e Mané praticamente já não recompunha, deixando os reds defendendo em 4–2.

Transição defensiva do Liverpool em 4+2.

Só que mais uma vez as alterações de Klopp voltaram a ter pouco efeito na partida (ou então não). Fazia sentido retirar Shaqiri para colocar Keïta e assim conseguir prender mais o jogo, mas as indicações que o camisa 8 teve foram tão confusas para o próprio, que este acabou por jogar em várias posições no meio durante os minutos em que esteve em campo. Começou como interior direito, depois esquerdo, depois como ‘’10'’ e novamente na direita. Isto causava indefinição na forma como o Liverpool defendia e o Everton continuava a ser uma ameaça, mesmo que controlada.

O início de algo mais caótico deu-se quando Sturridge deu lugar a Salah e os três atacantes passaram a ocupar zonas muito próximas e não criando linhas de passe em ataque posicional. O lado direito do ataque passou a ser terra de ninguém, nem no espaço nem no tempo. Arnold não tinha condições de conseguir aparecer por lá e a equipe não criava situações que providenciassem uma subida pelo corredor com critério, além de que tinha que estar preocupado em proteger as costas. O jogo direto não tinha efeito, pois tanto Mané, Firmino e Sturridge não são jogadores de porte físico para ganhar todas as disputas contra os monstros aéreos que são Keane-Mina. Entrava o Liverpool em mais um desespero com bolas cruzadas na área com pouca noção.

A entrada de Divock Origi veio trazer alguma lucidez neste sentido, pois o camisa 27 ainda mantém alguma da sua explosão física e mobilidade para ser profundo descaindo nos flancos, sem sequer falar que era mais um atacante com características para combater os centrais do Everton.

Os três atacantes muito próximos e não criando linhas de passe limpas no ataque posicional do Liverpool para tentar abrir o bloco compacto do Everton.

Quem gosta do Liverpool e acompanha o clube ao longo dos anos, sabe bem que a emoção existe até ao fim. E aqui não está em causa o modelo de jogo, nem o sistema, nem o treinador, nem os jogadores, mas sim o espírito do clube. Sorte ou não, por ironia do destino, o mal amado Origi fez mesmo o golo da vitória mais estranho da história de todos os Merseyside Derbys no último minuto da partida. A sua reação foi como o ‘’vingar’’ daquilo que aconteceu na temporada 2015/16, quando na altura atravessava a sua melhor fase pelo Liverpool e sofreu uma entrada violentíssima de Funes Mori também num jogo contra o Everton.

A exibição não foi má, mas sim estranha e as ideias entrarem em colapso culminando num declínio total ao longo dos 90 minutos. Um bom Everton que se apresentou em Anfield — no sentido de ter sido mais competitivo do que em anos anteriores — e isso não deverá estar em causa. Num jogo de futebol ganha quem marca e o Liverpool conseguiu essa proeza. Teve ocasiões para o fazer antes, mas a inglória dos seus atacantes não o permitiram. Ainda assim, é uma vitória importante na corrida ao título e é mais um ano que o Everton continua a ouvir músicas de Natal no último minuto de jogo.

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António Duarte

UEFA Football Coach. Análise de futebol numa visão romântica do jogo. Twitter: @ShanklyLegacy